Fogos de artifício

A locução “Fogos de artifício” faz lembrar muito da palavra “artificial”. Talvez até demais. Uma tradução alternativa é a da língua inglesa: “Fireworks”, ou “trabalho de fogo”. Essa versão destaca o caráter artesanal da produção de fogos. Porém, nenhuma tradução é tão poética quanto a japonesa. A palavra é “Hanabi” e deriva de “flor de fogo”. A explosão brilhante é facilmente comparada com um dente-de-leão, por exemplo.  

O caminho da arte pirotécnica foi longo e milenar. A ciência deu seus belos empurrões e a prática atualmente floresce em todas as viradas de ano e em todas as partes do globo. Desde Sydney até Nova York, passando pelas margens do Tâmisa e a praia de Copacabana, todos apreciam os shows pirotécnicos e se emocionam com as explosões coloridas. O que as pessoas vestidas de branco não sabem é que tudo começou com bambus verdes e o vermelho no céu é o mesmo lítio da bateria de seus celulares. 

Descubra a trajetória dos foguetes, o que acontece antes da explosão e como elas podem mudar nos próximos anos. Pode comemorar, pois os fogos são pra tempos de festa. 

Origem

Por mais estranho que pareça, o conceito dos fogos de artifício já existe há milhares de anos – antes mesmo da descoberta da pólvora. A origem da pirotecnia está provavelmente na China de antes de Cristo. Os povos da época atiravam pedaços de bambu verde em fogueiras. Durante o crescimento vertical do bambu, são formadas bolsas de ar no interior do caule. Quando são aquecidas, incham e rompem o tronco, criando o som de estalo. Os chineses acreditavam que o barulho alto espantava os maus espíritos. Essa crença se manteve até os dias atuais, as festas de ano novo têm fogos e estalinhos para afastar os espíritos do passado e iniciar bem o ano. 

Assim que alquimistas chineses do século XI misturaram salitre, carvão vegetal e enxofre e identificaram o caráter explosivo da mistura, adicionaram os primeiros registros do novo material. Eles haviam descoberto a pólvora. No começo, os “fogos” não saíam do chão. A pólvora era enrolada em tubos de papel e atirada diretamente na fogueira, como os pedaços de bambu. A invenção mudaria a civilização oriental e ocidental, posteriormente. Ela revolucionou o meio militar, artístico e cultural. A união desses três resultou nos fogos de artifício atuais. 

Uma vez na Europa, a pólvora era usada exclusivamente para fins militares. No contexto de guerras e conflitos da época, não sobrava muito tempo para pensar em festejar. Mas enquanto isso, a China já havia se redimido, colocado os tubos de papel em canhões e os lançado aos céus. Os europeus gostaram da ideia e começaram a usar os fogos em suas próprias cerimônias. O casamento do rei Henrique VII, por exemplo, foi o primeiro show pirotécnico da Inglaterra. Contudo, os fogos ainda eram diferentes dos atuais, faltava uma coisa: cores. 

Gravura ilustrando a apresentação da composição Música para fogos de artifício, do alemão Georg Friedrich Händel; realizado sob o Rio Tâmisa, Londres, no dia 15 de maio de 1749, autor desconhecido.

Todos os fogos eram alaranjados. Sempre as mesmas tonalidades conhecidas da paleta de cores quentes. Cabia aos italianos adicionar os primeiros metais e dar cor às explosões. Em pleno século 19 estavam criados os fogos de artifício como conhecemos hoje: voadores, barulhentos e coloridos. As comemorações nunca mais seriam as mesmas. 

Ciência 

Muita tecnologia foi investida na produção e aprimoramento dos fogos. Eles são completamente diferentes do que eram no princípio. Graças ao desenvolvimento científico, há shows e comemorações repletas de luz e cores. O funcionamento desses foguetes não é tão complicado quanto parece. 

Ilustração do interior dos fogos
O interior dos fogos faz uso de pólvora e pavios para liberar as estrelas. Leo Caparroz/Jornalíssimo.

Para sair do chão, os fogos usam uma explosão inicial como impulso. Um compartimento com pólvora é ligado a um pavio que, quando aceso, lança o resto da cápsula pelos ares. Um segundo pavio, escondido no compartimento de impulso, se acende e aciona outro compartimento de pólvora. A função desse é espalhar as bolinhas de elementos – conhecidas como “estrelas” – pelos ares, criando o padrão de explosão que é visto. 

As estrelas também determinam as cores das explosões. Elas são feitas de pólvora, um combustível, um agente oxidante, pó metálico e aglutinante. A pólvora promove a explosão e o som alto escutado do chão, enquanto o combustível e o oxidante são responsáveis pela queima do composto metálico. A cor observada depende de qual metal é utilizado. 

Os elementos usados para dar cor aos fogos
Os diferentes elementos químicos usados na confecção de fogos. Leo Caparroz/Jornalíssimo.

Se a cor que aparece no céu é um verde, por exemplo, o composto usado provavelmente era o cloreto de bário (BaCl2). Quando uma substância queima, ela libera energia na forma de luz. A luz pode ter várias medidas de comprimento de onda, mas apenas os valores entre 400 nm (nanômetros, um bilhão de vezes menor que um metro) e 700nm estão dentro do espectro visível. Dependendo do material queimado, o comprimento de onda vai ser menor – perto do violeta – ou maior – perto do vermelho. Esse princípio dá cor azulada à chama do fogão e prateada aos fogos de artifício que tem magnésio em sua composição. 

O futuro 

Os fogos de artifício são uma indústria. Para vencer a concorrência, as indústrias precisam se renovar. Em alguns anos, o show do réveillon pode se tornar bem diferente do de 2019. Desde o som até as cores, a pirotecnia vai mudar bastante. 

Uma inovação já em campo são os fogos “silenciosos”. Eles são do tipo que sobe e… nada. Eles não explodem como os outros, pois não utilizam o tubo de pólvora que espalha as estrelas. Nesse modelo, a queima do pó metálico é lenta e gradual, acontece ao longo da subida. A técnia permite uma variação maior do espectro de cores e não assusta tanto. Na verdade, os fogos não são 100% mudos, há som, mas muito menor do que o habitual. É o suficiente para tranquilizar bebês, animais e pessoas áudio-sensitivas. A cidade italiana de Collecchio já estipulou uma lei: os fogos silenciosos agora são o único modelo permitido na cidade. 

Existe uma razão para os shows pirotécnicos serem sempre noturnos. A iluminação natural do dia acaba com qualquer emoção. Contudo, para o artista chinês Cai Guo-Qiang (o responsável pelos fogos nas olimpíadas de 2008, em Pequim) isso não é um problema. A solução foi usar outra coisa como foco do espetáculo, no caso, fumaça. Em suas obras, como por exemplo a “Black Ceremony”, ele faz uso de fogos que, na explosão, criaram tufos de fumaça. Cada explosão é calculada para obter um resultado preciso e gerar belíssimas imagens e efeitos visuais.

Cena de “Black Ceremony”, realizada do lado de fora do Mathaf: Museu Árabe de Arte Moderna, em Doha, Catar. Foto: Hiro Ihara/Cai Studio

Outro empecilho um tanto quanto inusitado é a cor azul. A maioria dos shows não tem presença ativa da cor fria, quando ela aparece, sempre está meio desbotada. O azul pode ser obtido pelo cloreto de cobre (CuCl2), mas manter a temperatura estável para o composto é a parte complicada. “Quando você aumenta a temperatura da chama, a cor fica cada vez mais forte. Contudo, se ela ficar quente demais, você acaba destruindo o metal e fica com um branco comum.” Disse John Conkling, antigo diretor da Associação Americana de Pirotecnia. “É preciso equilíbrio” completa. Ele acredita que o segredo do controle da cor está próximo de ser desvendado. Assim, será possível ter um ano novo mais azul.

Desde muito cedo a humanidade é familiarizada com a pirotecnia. Ela foi aprimorada com o passar dos séculos e se tornou a festa que é hoje. Os métodos mudaram, mas o princípio ainda é o mesmo: chamar a atenção com luzes e explosões. Seja para espantar espíritos ou impressionar multidões, são uma consagrada manifestação cultural. A pirotecnia, e os fogos de artifício por consequência, se manterão firmes enquanto houver algo pelo qual festejar. 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.